sábado, 19 de novembro de 2011

posição do leitor


O leitor, fechado no parênteses, lê o capítulo em branco,
a respiração da cidade submarina de onde os rios se precipitam e se cruzam desviados aqui, obedecendo contudo às margens que os contêm, obedecendo por quanto tempo, por quanto tempo ainda, a esse lugar irónico onde as mãos de leitor procuram abrir a sua própria história dividida vindo.


Como se olhando vigilantemente a porta levantasse a tábua do chão e buscasse os despojos do crime, o dinheiro e o relógio e a arma, e depois desistisse de cavar sob a casa em equilíbrio difícil sobre o chão correr vertiginosamente para essas marcas onde o futuro já se marca; para o futuro! para o  futuro!


Estas marcas e, contudo, ainda tudo é indeciso; o leitor tem ainda duas mãos enormes que crescem percorrendo o que o espera e não espera, fazendo isto e aquilo, porque algures por essa diferença que pulsa no parênteses poderá passar isso, sempre a caminho do fim da pré-história. Asfixiado, foge e não foge, oscila e uiva, afasta e aproxima as fronteiras, folheia -as e dobra-as umas sobre as outras, e assim as frases e o país rolam, alteram-se as suas várias camadas, revolucionam-se os fósseis, as estrelas mortas, as raízes, e entretanto o parênteses vai pulsando, dilatando-se e diminuindo, acendendo-se como um coração, desejo que se adia e adia o leitor.

_Manuel Gusmão_

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